domingo, 1 de outubro de 2017

Homenagem à Catalunha



 
Como já afirmei noutro texto, no caso da Catalunha não tenho uma posição fechada, mas simpatizo com os independentistas. É certo que não tenho qualquer afinidade política com uma parte deles e que me identifico politicamente em termos genéricos com alguns espanholistas (PSOE). Mas o que para mim é determinante é o respeito pela vontade da maioria dos catalães. É pois necessário apurar, em condições democraticamente aceitáveis, essa vontade e não é legítima qualquer estratégia que vise impedir essa vontade de se revelar.

A dimensão jurídica da questão tem sido a única valorizada pelo poder de Madrid. Mas é estulto ou mistificatório esquecer-se a sua dimensão política. Tentar ignorá-la,  como se apenas estivesse em causa  uma questão de legalidade constitucional, é tão descaradamente simplista que mais parece  um simples expediente. 

No século XXI, as democracias mais maduras e mais decentes aceitam o direito de secessão das nações existentes no seu seio, sem subterfúgios. Compreende-se, por isso,  que  em questões como esta  a coerência internacional seja especialmente importante.

E ,neste caso, a União Europeia tem-se revelado particularmente incoerente. De facto, incentivou a divisão da Jugoslávia, indo até ao ponto de forçar a Sérvia a perder o Kosovo, pelo que não deveria agora, sem quebra de dignidade e de coerência,  fazer exactamente o contrário. Não se pode escolher um caminho político para depois o abandonar sempre que alguma conveniência ocasional o justifique. Quem forçou a Sérvia a perder o Kosovo, não pode anatematizar uma possível independência da Catalunha.

Por outro lado, no caso da Espanha, apresentar como um absoluto democrático o respeito pela Constituição é algo que merece ponderação. De facto, no topo do Estado espanhol há um rei como chefe de Estado, cuja legitimidade política está longe de ter uma raiz democrática. Foi um golpe de Estado fascista, dado contra uma república democrática, que gerou a  monarquia espanhola. Os representantes do povo desarmado negociaram com o poder franquista armado um armistício político. Uma negociação que para os representantes do povo não estava longe de ser um verdadeiro estado de necessidade. É nele que assenta a atual democracia espanhola, bem como as suas autonomias.

 Pode achar-se que esta solução é boa. Mas não se pode sublinhar até à exaustão o imperativo de os republicanos catalães se submeterem à legalidade constitucional plasmada na monarquia espanhola , ao mesmo tempo que se esquece que a monarquia espanhola foi instalada em Madrid, por força de um golpe de Estado fascista que desencadeou uma guerra civil que matou milhões de espanhóis. Uma guerra civil que os franquistas só vencerem porque foram ajudados pelos fascistas italianos de Mussolini e pelos nazis alemães de Hitler. Podemos aceitar a transigência dos desarmados como um preço justificado pela vontade de conseguirem paz, tendo em conta a relação de forças existente. Mas não podemos hoje ser intransigentes para com os republicanos da Catalunha, ao mesmo tempo que esquecemos o pecado original da monarquia espanhola.

A última experiência de república na Catalunha não foi vencida nas urnas, foi esmagada pela força das armas. E mais recentemente a humilhação da Catalunha materializada pelo chumbo da última versão do  Estatuto Autonómico, antes referendado em toda a Espanha e na Catalunha, foi equivalente a uma rotura do Pacto de Moncloa. O grande impulsionador do processo que desembocou nessa provocação foi precisamente o Partido Popular. Essa rotura agrava muito a dificuldade de invocar a ilegitimidade democrática do referendo que os catalães querem fazer. Eles têm sido longamente provocados pelo governo de Madrid e especialmente pelo Partido Popular.

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