terça-feira, 9 de maio de 2017

Os macronianos chegam ao anoitecer



Os macronianos chegam ao anoitecer

Como se esperava Macron foi eleito Presidente da República em França. Embora o simples risco de a Srª Le Pen ser eleita seja um péssimo sinal de insalubridade política e um aflitivo sintoma quanto ao caminho seguido pela Europa, houve uma excessiva dramatização  do risco dessa alarmante vitória. O facto de ela não ter ocorrido tem sido objeto de um recíproco exagero. A Europa está exatamente na mesma , mas respira festa como se tivesse finalmente acordado.

De momento, não é ainda possível saber-se, com alguma segurança, se o quinquénio de Macron virá a demonstrar a sua argúcia ou se apenas ilustrará a ideia de que estamos  perante um epifenómeno suscitado por bloqueamentos políticos acumulados não  perante uma absoluta afirmação de  mérito. Não é ainda possível sabermos se ele virá a reinar olimpicamente instalado numa  maioria parlamentar própria, ou se vagueará pelos corredores do Eliseu, assombrado por uma maioria parlamentar que lhe seja exterior.

Mas , não sendo certo, será  natural que o próximo futuro lhe corra relativamente bem; ou que pelo menos não lhe corra muito mal. Ver-se-á. Irá marcar muito o futuro, o resultado das eleições legislativas do próximo mês de junho. Olhando à distância o que se está a passar em França, portanto, sem conhecer minimamente as manobras florentinas que seguramente lá estão a ocorrer, num incerto labirinto de esperanças e traições, há talvez algumas considerações gerais que se podem arriscar.

Não é ainda claro se o centrismo de Macron  virá a ter um perfume de esquerda ou um odor de direita, sendo certo que a esquerda que quer continuara a sê-lo preferirá talvez  que ele vire para a direita, enquanto a direita que queira persistir como tal  há de  preferir vê-lo encostar-se  à  esquerda. Claro que ele pode tentar situar-se rigorosamente ao centro, sonhando com uma avalanche  de apoios vindos dos dois lados, mas correndo o risco de ficar numa terra de ninguém com pouca gente. A escolha que venha a fazer quanto ao seu futuro Primeiro-Ministro pode fazer  alguma luz sobre o caminho que prefere.

De momento, a direita clássica, apesar de assombrada com o relativo fulgor da extrema-direita lepenista, parece menos aflita do que o Partido Socialista Francês (PSF). Talvez pelo facto de ter sido menos severa a sua derrota.

Na verdade, de momento, dentro do PSF parecem desenhar-se três grandes linhas : uma, consubstanciada na sua ala esquerda, em torno de B. Hamon, aposta na valorização  da união da esquerda, assumindo uma atitude de oposição à linha da maioria  presidencial; outra, representada principalmente pela maioria da direção atual, aposta numa afirmação autónoma do PSF que não o inclua numa possível maioria presidencial; outra, polarizada por Valls, preconiza a entrada na maioria presidencial. Este ex-primeiro-ministro já tornou público que será candidato no seio da maioria presidencial, o que parece excluí-lo do PSF. Alguns dos seus apoiantes já se demarcaram publicamente dessa posição, sendo possível que ele venha em breve a ser formalmente excluído do PSF ou pelo menos das suas listas. Se assim for, falta saber se será seguido por muitos. Se o PSF for complacentes para com ele, falta saber se haverá  outros a sair. O risco de estilhaçamento do partido é real. Tudo isto se resolverá em breve. Mas depois ficará ainda por se conhecer a dimensão de um possível desastre já  anunciado para os socialistas franceses nas próximas legislativas.

Todavia, o sistema eleitoral francês e a atual correlação de forças entre as várias correntes políticas , conjugando-se, tornam possível que, afinal,venha a ocorrer uma atenuação relevante do desastre anunciado, mas também permitem que , pelo contrário, esse desastre possa vir a ser ainda maior. Para esta incerteza contribui a dificuldade que representa para os insubmissos de Mélenchon o facto de o Partido Comunista Francês (PCF) , que neles se  integrou, se apresentar às eleições com listas próprias, admitindo-se acordos entre ambos mas não que os comunistas se diluam nos insubmissos. Este desfasamento  pode, aliás,  ter efeitos bastante  desestabilizadores, em virtude de ser conhecida uma certa discrepância entre os insubmissos e os comunistas, quanto à necessidade de acordos eleitorais com o socialistas. O PCF aposta tradicionalmente nesses acordos.

Em menor medida, contribui para esta incerteza o modo como o PSF se irá relacionar com os Verdes e com os radicais de esquerda; e a intensidade da atração sofrida pelas hostes de uns e de outros quer por força dos insubmissos, quer por força dos macronianos. Quanto mais intensa ela for, mais dificuldades terão os socialistas.

Macron, acolitado pelos cavalos de Troia que entraram  no PSF,  parece querer destruir esse partido. Não é certo que o consiga. Mas se o conseguisse, deixaria sem companhia os insubmissos, assim transformados  na única força relevante da esquerda francesa, no plano institucional. Isso talvez permitisse  a Macron governar durante algum tempo  com menos sobressaltos institucionais, mas potenciaria a força das resistências extra institucionais e dos protestos. E a eventual  deliquescência da direita clássica pode muito bem torná-la num terreno de caça mais fácil para a extrema-direita.

Um poder político sustentado por um centro pastoso, diluído na vaguidade do nem esquerda/ nem direita, inchado pela possível anemia, quer do centro-esquerda quer do centro-direita, e concorrendo com uma extrema-direita em expansão e com uma esquerda mais radical desprovida de parceiros que a liguem á realidade, um poder político assim será a prazo um risco mais forte e mais fundo do que o induzido pelos mais nefastos resultados eleitorais.

Os macronianos chegaram como se viessem de novo ; talvez como se fossem o rosto de uma direita convertida civilizadamente ao centro, merecendo por isso talvez  as boas vindas,  mas pode ser afinal   a auto punição de uma esquerda leve  que se renega, embora tente disfarçar-se  de uma imaginação do futuro que se renova. Chegam ao anoitecer; talvez estejam apenas de passagem.


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