quarta-feira, 30 de setembro de 2015

O OVO DA SERPENTE


Esmaguemos o ovo da serpente!

1. Está em marcha uma tentativa de distorção do significado dos resultados das eleições do próximo domingo, concebida para a hipótese de a coligação PSD/CDS não ter maioria absoluta, mas ter mais deputados do que o PS. O que essa tentativa de golpe branco procura é desconsiderar a dualidade de partidos da coligação para a ficcionar como se eles  fossem um só.  E desse modo comparar o PS com a soma do PSD e do CDS, fingindo que eles são em definitivo uma entidade única. 

Criada a falsa evidência mediática de que isso é o espelho da realidade e não a sua distorção, passa a sustentar-se que o PR deve agir em conformidade, quando se tratar de indigitar um primeiro-ministro após as eleições. Para tanto, força-se sorrateiramente o texto constitucional, retirando-se qualquer significado político ao imperativo constitucional de ouvir os partidos políticos para decidir essa indigitação e defende-se que a necessidade de o PR ter em conta os resultados eleitorais aponta para o imperativo de ele indigitar sem mais o representante do partido com mais deputados. Claro, sempre à sombra da falsa evidência de que no plano jurídico-constitucional é legítimo neste caso considerar a Coligação de direita como um todo (como se ela própria fosse um partido), esquecendo a relevância e a identidade autónomas de cada um dos partidos que a integram.

Deste modo, na  hipótese de a coligação PSD/CDS não ter maioria absoluta, mas ter mais deputados  do que o PS, chamar-se-ia a  formar governo o líder do PSD e não o do PS, apesar deste partido ter um maior número  de deputados do que aquele. Seria como se o CDS fosse um simples banco ao qual subiria o PSD para ficar mais alto do que o PS. Ou seja, seria um expediente para contornar a vontade popular, a legalidade constitucional  e assim um atentado grosseiro á legitimidade democrática.

2. Basta recordar o que foi dito a propósito da recente recusa de o PS de deixar passar um futuro orçamento e da possibilidade de apresentar uma moção de rejeição do programa de governo de um governo PSD/CDS sem maioria absoluta, para se perceber quem está  envolvido na tentativa de golpe de Estado constitucional e quem beneficia dele. Estamos perante uma inqualificável tentativa da direita de vir a ancorar o seu poder numas eleições em que o povo a tenha derrotado.

Mas esta tentativa golpista, para poder resultar, não pode ser demasiado descarada, demasiado ostensiva. Não pode ser excessivamente provocatória. Por isso, ela ainda pode ser neutralizada. Pode esmagar-se o ovo da serpente, antes da serpente nascer. Basta que o PS, o PCP e o BE declarem formalmente que aprovarão uma moção de rejeição do programa de um governo de direita, muito especialmente se ele não tiver maioria absoluta. Por que é essa a sua decisão política, porque terá sido essa a vontade do povo expressa nas eleições, porque a tentativa de impor um governo minoritário de direita seria, por si só, uma tentativa de golpe de Estado. Desse modo, depois de os ouvir, o PR não pode indigitar um governo minoritário que já tem adquirido o respetivo  chumbo, tentando instalá-lo precariamente no poder durante uns meses, a não ser que queira assumir o protagonismo central da tentativa de golpe  de Estado.

Se isso acontecer, estar-se-á a pôr em causa a legitimidade das instituições, a fazer correr um grave risco à paz cívica e social, a lesar gravemente as condições sociais e institucionais do funcionamento da economia. Só uma grande sofreguidão pelo poder , uma sobranceria bacouca ou um profundo desprezo pela democracia podem justificar um tal dislate. É realmente uma aventura perigosa querer manter no governo uma coligação que acabe de ter contra ela nas urnas uma grande maioria do eleitorado, tendo contra ela mais deputados do que aqueles que tem a favor.

E o PS tem que estar especialmente atento e  precavido, uma vez que a hipótese de  imposição de um governo minoritário PSD/CDS tem como pressuposto a captação do apoio ou da complacência do PS. Por isso, a direita quer espolia-lo do exercício legítimo do poder e ainda por cima transformar o espoliado num  fiel escudeiro. Se por absurdo isso acontecesse,  por força de  um impossível acesso de delírio dos seus responsáveis,  o PS seguiria certamente o calvário dos seus congéneres grego, polaco e húngaro. Ora, se isso seria trágico para nós, socialistas, não o seria menos para a democracia portuguesa que dificilmente resistiria como tal com um PS que ficasse reduzido a uma sombra de si próprio.

Não estamos pois perante  uma simples burla política destinada apenas  a ser pasto  de comentadores  gulosos. Estamos perante um profundo golpe na democracia, um irresponsável desafio á paciência do povo, uma grosseira  provocação a todos os democratas,  digna do vinte e quatro de abril.

Nem as sondagens dos seus donos apontam para uma maioria absoluta da coligação dos partidos da direita, razão pela qual estão tão presos a essa tentativa de golpe. Mas não esqueçamos. A direita ganha se a coligação tiver maioria absoluta. Se a não tiver é derrotada. Derrotada!

Repito, portanto: esmaguemos o ovo da serpente antes de ela nascer!

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